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Inovação é uma questão de querer e não de poder

Quando ouvíamos músicas por meio dos CD players, contando que você tenha vivido essa experiência, ficávamos imaginando o momento em que poderíamos ter mais músicas armazenadas, afinal eram doze músicas em média, o que durava pouco mais de meia hora até a necessidade de trocar ou voltar para a primeira música e reiniciar o ciclo.

Para a nossa alegria houve uma melhoria, os arquivos em MP3 possibilitaram que muito mais músicas fossem armazenadas nos discos, porém, havia a necessidade de aparelhos aptos a “rodarem” as músicas em MP3. A grande inovação demorou pra chegar, mas hoje não precisamos mais de discos ou até mesmo de pendrives, nossas músicas, em quantidade ilimitada, estão na palma de nossa mão por meio dos aplicativos disponíveis para os telefones celulares.

Imaginemos agora que um empresário daquela época, início dos anos 1990, fizesse uma pesquisa com os usuários de CD sobre o que eles desejavam que melhorasse no que diz respeito a ouvir música. Provavelmente a imensa maioria desejaria que fossem produzidos CD com maior capacidade de armazenamento, com mais músicas a fim de possibilitar uma experiência mais longa, mais duradoura. Provavelmente ninguém proporia a criação de um aparelho que permitisse ouvir músicas que estivessem disponíveis em um ambiente virtual, acessível por meio de um aparelho conectado a uma rede mundial, que não precisasse armazenar essas músicas e que fosse quase ilimitado em sua capacidade.

Foi isso que Steve Jobs pensava quando proferiu uma frase “chocante” para o marketing tradicional. Ele disse: “Os consumidores não sabem o que querem, até que você mostre a eles”. Para quem vivia na ideia de que “o cliente tem sempre razão”, uma afirmação tão forte soou estranha, contudo, não foi a primeira vez que um empreendedor fez afirmação no mesmo sentido, pois no início do século XX, Henry Ford também disse algo assim quando afirmou que se perguntasse às pessoas o que elas queriam, elas provavelmente responderiam que o seu desejo era de um cavalo mais rápido.

Enfim, o que se pode extrair das afirmações desses dois grandes “inovadores” é que não se pode ficar preso a ideia de que uma organização existe para simplesmente satisfazer a necessidade de seus consumidores, é preciso que se assuma o protagonismo do processo e se encaminhe a inovação. Mas é preciso esclarecer que isso não significa que se possa desprezar o cliente, muito pelo contrário, é fundamental que se perceba o que está deixando o consumidor insatisfeito e, a partir disso, criar o novo, o inédito ou, sendo um tanto exagerado, o revolucionário!

Pesquisas de mercado, que buscam a satisfação, também podem ser uma grande fonte de ideias e inspirar processos de inovação em uma organização. Por falar nisso, em 2021 o Brasil subiu, segundo a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), cinco posições, e é o 57º país em inovação no mundo, porém, já foi o 47º em 2011, isso significa que temos um grande desafio pela frente que é o de melhorar nossa posição nesse ranking.

O brasileiro tem fama de criativo, ele consegue se adaptar rapidamente a situações e a superar desafios, talvez devido ao fato de ter familiaridade em trabalhar sob condições difíceis, de falta de investimentos, pouco apoio institucional e, é claro, por um déficit na qualidade da educação básica e, se por um lado isso é uma grande vantagem competitiva, por outro, essa habilidade de adaptação pode resultar em uma baixa habilidade para a inovação. Podemos ainda mencionar uma série de fatores que dificultam o desenvolvimento de um espírito inovador em organizações privadas e especialmente nas públicas.

No setor público essas características que dificultam a inovação são mais difíceis de serem superadas e quatro fatores, além de outros, podem ser descritos como os grandes inimigos da inovação no setor público…

  1. Uma cultura organizacional equivocada, que supervaloriza “tradições” que atrapalham o processo inovador. Cabe aqui ressaltar que essas tradições se referem a processos produtivos e valores relacionados a produtos e serviços que em nada somam para a imagem da organização ou, principalmente, na qualidade desses serviços. É muito difícil para um servidor público apresentar uma inovação, se não contar com um ambiente que estimule e propicie essa prática por conta de processos excessivamente rígidos, de hierarquização sem sentido e, por falta de fluidez na comunicação;

  2. Falta de continuidade de uma ideia, afinal ter uma ideia inovadora é o passo mais fácil do processo, o difícil é manter o esforço para que ela proporcione o resultado proposto. No setor público, a rotatividade e a preponderância, muitas vezes, do critério político sobre o técnico, acaba por matar uma ideia pelo simples fato não contar com a mesma equipe de trabalho após uma nova eleição e formação de nova equipe;

  3. Pouco financiamento em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e serviços. Ideias inovadoras custam caro, pois muitas vezes exigem mudanças drásticas em práticas e costumes, sem falar em máquinas e equipamentos que por vezes precisam ser adaptados. Quem quer inovar, tem que ter em mente que é preciso investir, afinal, todo esforço tem um preço.

  4. Burocracia, esse é o grande obstáculo para a inovação! No setor público, tudo precisa de uma base legal, de normas que permitam, de orçamento destinado e pessoal qualificado e disposto a fazer. Essa situação se torna uma barreira que exige que uma inovação significativa demore muito para ser posta em prática, o que acaba desanimando o proponente e pode gerar um ambiente de acomodação, afinal, fica mais fácil fazer o básico, o comum, aquilo que sempre foi feito, pois haverá menos resistência.

Apesar de desanimador, o cenário não é tão limitador assim, pois é possível superar, ou no mínimo, contornar esses obstáculos por meio da inovação nos processos produtivos. A cultura, por exemplo, pode ser alterada sem descaracterizar a organização, basta ver o exemplo dos militares que humanizaram as relações interpessoais, de forma a valorizar mais o conhecimento, sem, no entanto, necessitar abrir mão dos pilares de hierarquia e disciplina, do rigor normativo ou da tradição militar, mas mudaram a forma de como isso se manifesta na tropa e, dessa forma, fizeram com que a imagem da instituição mudasse e possibilitasse processos inovadores que são hoje referência para outros órgãos.

Quanto à falta de continuidade, isso pode ser tratado por meio da valorização dos servidores efetivos, treinando e capacitando, de forma a mantê-los nos cargos que possibilitam a manutenção do espírito inovador, deixando aos gestores políticos a oportunidade de desfrutarem dessas novas formas de prestar o serviço.

Na questão financeira, a ideia pode ser a busca por fontes alternativas de recursos por meio de parcerias, emendas parlamentares, convênios, enfim, há uma série de possibilidade a serem exploradas, mas aqui sim se exige uma postura gerencial mais agressiva, ousada, que fuja do tradicional e busque algo novo.

Por fim, na questão da burocracia, há formas de facilitar os trâmites dos processos por meio da tecnologia, novos fluxos e um sistema claro de comunicação, que limite os gargalos e agilize o caminho entre a ideia e a sua execução.

Como vimos, o desafio da inovação depende muito mais de atitudes do que de condições. O querer tem que vir antes do poder, pois nada será disponibilizado, pois como foi dito no início, talvez não saibamos muito bem o que queremos, até que alguém mostre para nós!

Jailson Aurelio Franzen